21 de janeiro de 2015

A menina mais bonita da sala de aula.

Um desenho. Uma atividade de colagem.
Uma eleição da menina mais bonita da sala de aula. Em meio às faxinas de final de ano, revirando um grande volume de papelada antiga, retornei à infância por alguns momentos. Após algumas boas risadas e lembranças inocentes, me peguei em meio à uma profunda reflexão de momentos e situações nas quais a questão racial esteve profundamente envolvida e as quais usarei para introduzir as próximas temáticas de auto aceitação estética e ideológica.A primeira das lembranças veio quando encontrei um desenho da minha família, feito provavelmente na 2ª ou 3ª série do ensino fundamental: eu, meu pai, minha mãe e meu irmão.
 Desenho este onde apenas nossos rostos estavam pintados de marrom, e o restante do corpo que se mostrava entre as roupas, estavam pintados de “cor de pele”. Me lembrei do dia em que fiz este desenho, do traço primitivo de uma mão ainda não treinada, dos conselhos e dos palpites dos colegas e professora, das trocas de lápis de cor; da caixinha do lápis de cor.12 cores. Amarelo, azul, vermelho, verde, marrom... e cor de pele. Cor de pele foi o lápis mais apontado do conjunto de lápis de todos os meus colegas de classe durante a feitura dessa atividade, dos meus colegas brancos. E quando eu comecei a pintar meu desenho, comecei pela pele, peguei o lápis marrom. Mas por que meu o lápis que pintaria corretamente minha pele não era chamado “lápis cor de pele”? Foi a pergunta que minha colega de carteira me fez: “por que você vai pintar a pele de marrom? Pele tem que pintar de cor de pele”. 
Os rostos eu pintei de marrom, porque era assim que os via e disse que era assim que era. Mas para a pele do corpo eu mudei de lápis, e apontei o lápis “cor de pele” muito mais que o lápis marrom naquele dia.A segunda das lembranças veio quando encontrei uma atividade de colagem de revista. Não sei o tema da atividade, não a encontrei por completo. Mas havia 5 mulheres, brancas, magras, de cabelo liso. Quaisquer que fosse a atividade do dia, eu precisava encontrar  5 referências para algum tema numa revista. Possivelmente as 5 mulheres eram atrizes e/ou modelos. Brancas. Minhas referências na atividade foram todas diferentes de mim.A terceira, e acho que a mais dolorida delas, veio à tona logo após ter visto a atividade de colagem: as eleições da menina mais bonita da sala de aula. Não raramente, rolava pela sala alguma folha de caderno com os nomes das meninas para pontuação na eleição da mais bonita. Cerca de 30 alunos, dos quais geralmente a metade ou um pouco mais de mulheres e, dentre as quais eu quase sempre a única negra. Sempre a menos votada, muitas vezes a única não votada. Hoje, sei que consequentemente.Depois de lembrar especificamente desses três episódios, ficou mais simples entender as raízes do meu complexo de inferioridade e, possivelmente, da vontade em me assemelhar a uma identidade que não era a minha: a menina BRANCA-MAGRA-DE CABELO LISO mais bonita da sala de aula.
A menina que tinha a pele da cor do lápis cor de pele, a menina que encontraria formas semelhantes à dela em qualquer revista para fazer sua atividade escolar, e que seria a mais votada nas eleições escolares de beleza. Na verdade, a vontade era me assemelhar às meninas BRANCAS-MAGRAS-DE CABELO LISO, que poderiam ser ao menos avaliadas num ranking.  Em constante processo de auto aceitação e resistência, hoje, assim me apresento a vocês: usando meu processo particular de reflexão e descrevendo 3 momentos marcantes da minha infância para iniciar uma série de textos trazendo reflexão e discussão sobre, inicialmente, as maneiras de auto rejeição.Nos próximos textos usarei tanto informações técnico-científicas, quanto minhas experiências pessoais e relatos de terceiros para discorrer sobre processos de transformação capilar e cutânea, sobre ferramentas racistas e machistas de ‘inferiorização’ da mulher negra, sobre raízes do complexo de inferioridade, dentre outros temas.
Asè!

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